• Intocáveis e difíceis de achar

    8 de setembro, 2012

    Intocáveis e difíceis de achar

    Saúde .

    O que é mesmo saúde da mulher ou das pessoas em geral, passando por uma definição bem mais ampla que o bem estar psíquico-físico e social do ser humano, inserido num contexto social?

    Não nos cabe aqui num pequeno texto refletir mais profundamente sobre tema tão complexo, mas me deterei num filme que entrou em cartaz no Rio de Janeiro recentemente e de certa forma aborda a saúde em uma de suas facetas mais simples e profundas.

    A do doente impotente ( terminal, vegetativo ou não), e totalmente dependente de um cuidador.

    Falo de INTOCÁVEIS, filme francês ( 2011), de Oliver Nacache, com François Cluzet e Omar Sy.

    Com o envelhecimento mundial e aumento da longevidade das populações, foi quase que inevitável no mundo inteiro em todas as classes sociais, o aumento das doenças crônicas e com elas suas complicações. Estas acometendo pessoas mais velhas e deixando seqüelas, a exemplo das deixadas por acidentes vasculares cerebrais, tromboses, além das doenças neurológicas tais como Alzheimer e Parkinson, sem falar das seqüelas por acidentes automobilísticos ou por esportes, entre outros tipos de acidentes incapacitantes como os do filme – tetraplegia por acidente com parapente, que deixam as pessoas a precisar de cuidados permanentes em suas residências após alta hospitalar. Isso se tornou realmente um problema de saúde sério para as famílias, estado e seguradoras.

    Estes profissionais, na maioria das vezes, estão pouco preparados, ainda são poucos no mercado, pois não são enfermeiros, muitas vezes nem mesmo técnicos de enfermagem gabaritados, e estão a serviço de cooperativas que os contratam e os remuneram mal, cobrando caro das famílias que as contratam.Outro cenário, são os profissionais treinados que cobram caríssimo  onerando bastante o orçamento familiar. Cenário  mais triste e muito visto, é quando a família não pode contratar nem cuidadores de uma cooperativa, nem particular, e o seu doente, fica mal cuidado em casa, em sua solidão. Muitas vêzes consciente, sendo um pêso e estorvo para a família, que por sua vez tem que sobreviver e continuar com suas atividades normais do dia a dia.

    Nem todos, como no belo filme, tem a sorte de ter as posses do doente em questão, de ser um homem rico e poder contratar uma equipe multidisciplinar de cuidadores e enfermeiros.

    O filme se passa em torno de um um homem prepotente e desafiador que se acidenta num parapente e fica tetraplégico, mas tem condições de contratar a melhor estrutura doméstica de recuperação no lar. O belo e a maior sorte e o que dinheiro certamente não compra, e que este doente encontra, é sem dúvida,  O TIPO DE CUIDADOR  ENCONTRADO!

    Trata-se de um negro, ex-presidiário, não muito convencional em termos de cuidadores,escolhido  justamente pela lucidez do patrão propositalmente por este para não ter  piedade do mesmo. Ao chegar, o cuidador , com seu jeito forte e seguro de ser,  promove uma pequena revolução nas rígidas normas da milionária casa.E aos poucos, logo conquista a confiança do doente e dos outros profissionais da equipe  com quem trabalha na mesma.Não  impondo, mas se afirmando com segurança e confiança .

    Suas habilidades?

    São naturalmente mostar ao doente a VIDA!! Despertar a vontade de viver com o pouco  do que ainda lhe resta, dentro de todas as suas limitações que, não  são poucas – a tetraplegia, a solidão,  a viuvez. A filha na adolescência, idade que não é  fácil para um pai.

    Um cuidador é uma pessoa que passa o dia, literalmente 24 horas com um doente impotente!

    Na mais clara e real expressão da palavra.

    Do banho a limpeza das necessidades vitais; da conversa ao pé do ouvido, ao levar ao banho de sol, ao fazer entrar num carro. A dar a comida, e os remédios, a ligar uma Tv e ler um jornal. A acompanhar aquele ser muitas vezes o chefe da família todo poderoso  que um dia estava ao centro da mesa, organizando os eventos e congraçando  com todos, à descer na sala ou ir ao Natal com ele em casa de outros familiares empurrando um cadeira de rodas.

    Os familiares nem sempre vão estar por perto para vigiar seu doente, e os cuidados do cuidador, e não há sistema de câmera que capte em tudo o que pode ser feito em tempo real o tempo todo!

    E sobretudo, estas jamais substituirão o amor e o respeito que um profissional pode ter pelo seu doente, e a importância que isso tem na sua recuperação!

    Os serviços de enfermagem, passando pelos técnicos e cuidadores, são a meu ver um dos mais importantes na área médica e de saúde, e por isso merecem atenção especial e um treinamento  muito maior e efetivo envolvendo não só técnicas cirúrgicas,  de terapia intensiva, fisioterapia respiratória e motora, mas de psicologia médica, antropologia e sociologia.

    Num mundo tão multi e plural,  os  serviços tem que estar cada vez mais bem elaborados  para atenderem em todos os níveis  os pacientes em sua diversas peculiaridades. Ter doentes em casa é uma realidade hoje para muitas famílias,  e para essa realidade, todos temos que estar preparados, assim como a rede  de saúde para atender a demanda crescente.

     

    Lizanka Marinheiro

    Prof. Dra. Pós-graduação da Saúde da Mulher e da Criança

    Prof.Dra. Medicina Clinica Aplicada à Saúde da mulher e da Criança

    IFF- FIOCRUZ